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domingo, 13 de setembro de 2015

O mercado de imóveis brasileiro sob a ótica das finanças comportamentais

O mercado de imóveis brasileiro sob a ótica das finanças comportamentais


Com financiamentos mais caros e mais difíceis de obter, o cenário hoje é de redução da demanda.
E aqui é bom pararmos para conversar um pouco sobre a relação de consumo, investimentos e finanças comportamentais.

Segundo Márcio Fenelon, os modelos econômicos ensinados eram todos baseados no homem racional. Cada decisão do homem racional seria baseada na avaliação de todas as informações, e a decisão seria sempre aquela que maximizasse a utilidade. 
Infelizmente, este homem racional só existe nos livros. Hoje todos nós sabemos que não funciona assim. Somos influenciados por questões psicológicas da nossa mente e sociológicas, do nosso ambiente.
Mesmo naquela época da faculdade já existiam acadêmicos unindo questões econômicas, psicológicas e sociais para um melhor entendimento sobre as decisões das pessoas, surgindo assim um ramo de estudo chamado finanças comportamentais.




Vamos aplicar os conceitos de finanças comportamentais para explicar o mercado de
imóveis. Uma série de fatores influencia o mercado de imóveis residenciais:

a) Ineficiência da informação e influência social 

O mercado de imóveis é altamente ineficiente em termos de informação. Não há cotação em tempo real e também não há uma bolsa para negociação de imóveis como no mercado de ações.
Por incrível que pareça, isso é uma vantagem de duas formas. Vou explicar.
Em primeiro lugar, reduções de preço não são tão obvias (no jargão do mercado, não são salientes) e não desperta o incômodo de ver o ativo desvalorizar. 
O efeito da influência social é menor, pois o fato de um preço cair não significa que outras pessoas venderão também.
Em segundo lugar, o fato de não existir uma cotação em tempo real faz com que as pessoas coloquem seus imóveis à venda pelo preço que acham justo. Feito isso, esperam meses para que o valor seja atingido.
Um bom exemplo disso é o prédio onde eu moro. Há um apartamento sendo ofertado fora do preço de mercado e que está à venda há mais de 24 meses. O fato de o dono não precisar do dinheiro, associado ao fato de não existir uma cotação em tempo real, faz com que ele fique confortável em esperar. Agora imagine ficar 24 meses com uma oferta de venda na bolsa? Altamente improvável. Na bolsa você ajustaria seu preço em poucas semanas ou dias.

Outra influência social importante é o modo como que a sociedade brasileira encara o investimento em imóveis. 
É interessante notar que o mercado de imóveis é um dos poucos em que a maioria das pessoas acredita que nunca vão perder. As pessoas pensam que para obter uma valorização de seu ativo é necessário apenas paciência.
Assim, a maioria das pessoas tem uma forte convicção de que imóveis são investimentos sólidos e que “nunca caem”. Este é um aspecto importante deste mercado. O fato de as pessoas acreditarem que o setor imobiliário tem um mercado sólido faz com que esse mercado seja realmente mais sólido.
A influência social no mercado de imóveis faz com que a maioria das pessoas não tenha preocupação com o futuro do ativo, ou seja, acreditam que o imóvel não vai sumir, diminuindo muito o risco de uma venda maciça de imóveis. 
b) Aversão à perda e negação da realidade

Detestamos perder num nível 2,5 vezes maior do que gostamos de ganhar. Sim, já foi medido. Daniel Kahneman, prêmio Nobel, constatou que o sentimento negativo quando perdemos é 2,5 vezes maior do que o sentimento positivo de ganhar. Evitamos ao máximo reconhecer uma perda. Isso explica algumas carteiras que ficam inundadas em posições perdedoras que ficamos com dó de realizar.
E quanto maior o montante investido, maior será a resistência em reconhecer uma perda. Em outras palavras, os investidores em imóveis residenciais têm na sua maioria uma enorme resistência em reconhecer uma perda relevante. Ainda mais em um mercado que não tem cotação em tempo real e não há uma tela piscando um número vermelho na sua frente. Assim você pode facilmente evitar reconhecer que está perdendo. Você pode facilmente entrar no modo de negação da realidade.
Para ilustrar melhor essa questão, dou um exemplo: é muito mais fácil alugar o imóvel que não foi vendido (porque você não quis baixar o preço) do que simplesmente admitir a perda e “queimar o estoque”. Aí é só esperar 30 meses do contrato de aluguel sem reajustar o preço de venda para que a inflação faça a redução do preço em termos reais.
É só reparar na quantidade de anúncios de vende-se e/ou aluga-se por aí.

c) O efeito dos quatro fatores juntos

Os quatro fatores juntos (ineficiência da informação, influência social, aversão à perda e
negação da realidade) impedem que as pessoas se sintam obrigadas a vender seus
imóveis a qualquer preço.
Por isso, só vai vender barato quem realmente precisa muito vender. Pode até haver queda de preços captadas por índices como o FIPEZAP. Entretanto, as verdadeiras barganhas estarão concentradas basicamente em dois players atuantes neste mercado e que neste momento estão precisando muito vender. Estou falando dos flippers e das incorporadoras.
Os flippers são investidores que compram na planta para revender na entrega. E eles estão precisando vender porque não têm capacidade financeira de arcar com a compra do imóvel. Alguns deles estão preparados para pagar somente as prestações até a entrega, ou seja, mais ou menos 20% do preço do imóvel.

E as incorporadoras têm mostrado um estoque maior de produtos à venda. Vamos exemplificar com os dados de São Paulo fornecidos pelo Secovi. Em termos de estoque, o número de imóveis novos até que não subiu muito, como podemos ver neste gráfico. 

Este aparente controle do estoque é resultado da diminuição dos lançamentos, conforme podemos verificar no gráfico abaixo.



Em outras palavras, o mercado imobiliário está mais preocupado em vender o que está em seu estoque do que lançar unidades novas. E em 2015 esta tendência se acentuou. É um estoque significativo e vai exercer uma pressão no caixa das empresas. Quem tiver caixa certamente irá escolher esperar um mercado melhor. Ou seja, quem tiver caixa para terminar suas obras, mesmo com a redução da velocidade de venda, vai preferir guardar seus estoques para tempos melhores.
Porém, quem ainda tem custos de construção a incorrer, que não são cobertos pelo caixa e por recebimentos, vai ter que fazer um esforço de venda maior, concedendo descontos para apressar a velocidade de vendas.

Então podemos esperar que as principais forças vendedoras com desconto sejam as
incorporadoras com balanço enfraquecido. E também os flippers, mas somente na
extensão que eles sejam forçados a vender para fazer caixa.
As pessoas e empresas que não têm necessidade de caixa estarão fora desta temporada de desconto e com certeza vão esperar o mercado se normalizar. 
Nos últimos 12 meses, segundo pesquisa do FIPEZAP, a proporção de flippers na compra de imóveis foi de 14%. Podemos concluir que os flippers enforcados são mais a exceção do que a regra. A maioria dos participantes do mercado está em condição de esperar uma possível recuperação.
E o desejo de esperar essa possível recuperação está apoiada nas forças da psicologia e sociologia (finanças comportamentais) que vimos acima.
Mas existem duas ameaças importantes para este cenário. Uma primeira seria o aumento do desemprego, que desencadearia um aumento da inadimplência dos financiamentos e levaria mais pessoas a querer vender desesperadamente.
E a segunda seria um forte aumento na TR. Essa seria uma situação muito parecida com aquela do sapo que não percebe a água aumentar aos poucos e acaba morrendo. O efeito inicial nas prestações é quase imperceptível, porém o efeito nos juros totais pagos é muito grande.




Texto do especialista em economia, finanças e mercado imobiliário, Márcio Fenelon.


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